Com uma semana de atraso, cá vou eu outra vez.
A semana passada fiz uma publicação no Facebook sobre consentimento (que reproduzo aqui).
E demorei uma semana a conseguir voltar a sequer ter vontade de contactar politicamente com a civilização online. Esta publicação, na minha perspectiva absolutamente simples de compreender e nada ofensiva, gerou uma onde de polémica no meu mural.
Dos argumentos, há quatro mais comuns – e depois há os parvos que não vamos aflorar porque “haja paciência”:
- “Não te conheço de lado nenhum, mas quando e se tiveres crianças”
- “Se fosse um rapaz não terias a mesma perspectiva”.
- “Que desnecessário aflorar esses assuntos imbecis que só criam ódios”
- #NotAllMen
Claro que depois deu origem a um destilar de ódio privado, com mensagens de insultos e ameaças.
Comecemos pelos dois mais simples.
1. Se não me conheces de lado nenhum, não faças observações sobre o que desconheces. É só deprimente. Mas “quando e se” tiver crianças é, por acaso, limitador de ter opinião? Implica que eu tenha zero contacto com crianças e que não tenho uma perspectiva sobre a sua educação? Não ter ou ter filhos limita a minha capacidade de pensar estas questões de alguma forma? Alguém vive num mundo onde tenha zero contacto com crianças?
2. Ninguém sabe pela minha publicação se é, ou não, um rapaz. E sim, se fosse um rapaz teria a mesma perspectiva. O consentimento deve ser ensinado, desde tenra idade, a toda a gente. Não nos serve ensinar o consentimento a apenas uma percentagem da população se a outra não entende o conceito. E não, não é só por questões sexuais e de intimidade, é por que toda a gente circula na rua já que toda a gente tem de respeitar os restantes e uma parte essencial desse respeito passa pelo consentimento. E não, não vale a pena dizerem-me que a criança não vai ficar limitada àquele ensinamento, porque ao longo da sua vida vai encontrar outras pessoas. Tudo verdade, mas alguém duvida que a influência familiar tem uma relevância maior nestas questões? Preferem estas pessoas “largar as crianças por aí” (na escola, na rua, a brincar, já crescidas) sem uma base fundamental de respeito por si e pelos outros como esta? Se não têm esta educação em casa, onde à partida serão respeitadas e acarinhadas, vão tê-la onde e quando?
E agora os dois mais complexos…
3. Estou verdadeiramente farta deste argumento. Alguém me sabe explicar por que razão “estes assuntos criam ódios” ou “mais ódios” que os restantes? Falar de feminismo, consentimento e crianças cria-vos ódios? Não devia fazer-vos pensar em como educamos as crianças para a manutenção deste sistema? Não devia fazer-vos pensar que se esta discussão vos causa “espécie” é porque, se calhar, na vossa avaliação de como agem em situações destas, não saem com a melhor imagem de vocês próprios? Sim, o consentimento ensina-se desde tenra idade, para que as crianças saibam que têm direito ao seu corpo e que têm direito a dizer não e que têm direito a ser respeitadas e isto, para qualquer pessoa (pai, mãe, tio, avós, o vizinho do lado…) devia ser essencial. Não só pela salvaguarda da própria criança, pela sua capacidade de resistência a coisas tão simples como “peer-pressure” (nem sequer estamos a falar de abusos sexuais), mas também pela saudinha da nossa democracia: queremos criar gente conformada e que não sabe os seus direitos mais básicos nem tem capacidade de resistir?
E, finalmente:
4. #NotAllMen… Quando se fala de qualquer questão relacionada com o feminismo, o direito ao corpo, a educação para a igualdade há sempre quem (de qualquer género) que aparece e frisa que “nem todos os homens”. Que o seu marido/ companheiro/ pai/ primo/ colega de trabalho não é assim. A isto tenho uma coisa muito simples a dizer: ainda bem que essas pessoas que conhecem não são assim. Então esta publicação não é para essas pessoas que vocês conhecem, mas para as outras que mantêm o comportamento em questão e/ ou que nunca se deram ao trabalho de pensar sobre estas questões. Mas mais importante do que gritarem “#NotAllMen”, deviam pensar que há pessoas que se comportam desta forma e, em vez de gritarem a defesa dos vossos conhecidos, deviam preocupar-se com quem permite a manutenção destas situações. Acima de tudo, enquanto gritam “#NotAllMen” desviam o assunto em questão e isso, caríssimos, caríssimas, caríssimes, diz mais de vocês e da vossa aliança com a manutenção do sistema e da vossa luta feminista do que qualquer outra coisa. “#NotAllMen” GRITA “Eu recuso-me a ser parte da solução”.
Um bem haja a todes, por aqui e por onde bem nos apetecer continuaremos a trazer assuntos que, “são tão óbvios”, mas que afinal dão direito a discurso de ódio por uma semana pelo desconforto que vos causam. Beijinho no ombro.