Algumas mentiras do patriarcado

Aproveitando o mote de no mês de abril celebramos o dia das mentiras (bela coisa para se celebrar!), lembrei-me de refletir sobre o patriarcado e as suas mentiras mais comumente aceites e que, até hoje, nos assombram o dia-a-dia. Algumas são tão estruturais, que nem nos lembramos delas e «regulamentam» as relações pessoais que temos.

As mulheres são umas invejosas e umas cabras umas para as outras

Dividir, afastar, enfraquecer

As mulheres são, por natureza, invejosas e umas cabras. Já todas ouvimos frases como estas. Já todas ouvimos no trabalho outras mulheres dizerem que preferem trabalhar só com homens por estas razões. Esta ideia foi passada de geração em geração, ora na tradição oral, ora nos livros de contos tradicionais, onde as mulheres aparecem retratadas ou como bruxas horrorosas e, sem escrúpulos, querem matar as outras por inveja. Ouvimos tanto, que interiorizamos e reagimos às demais mulheres com desconfiança. Esta ideia foi, também, passada de manual em manual, durante décadas, nesses escritos fantásticos que eram os Manuais a uma noiva ou Manual de dona de casa e onde se alertava a jovem mulher que não devia criar amizades com as vizinhas, porque não eram de confiança. Será isto verdade?

Não acredito. Sou uma fervorosa defensora e ativista da sororidade e diz-me a experiência, que quanto mais pratico gestos de sororidade, mais consciente me torno da tamanha mentira que o patriarcado nos quis fazer acreditar. Com cada gesto de sororidade que pratico, verifico, que não só os laços se tornam mais fortes, mas as mulheres com quem os partilho tornam-se mais fortes, mais corajosas e ativamente encorajam outras a seguir o seu caminho, a crescer, a construir. Juntas, apoiadas umas nas outras, conseguimos mudar as nossas vidas, depois mudamos as nossas aldeias, as nossas juntas de freguesia, as nossas cidades, os nossos municípios e por aí fora. Juntas, ganhamos o poder de mudar, de crescer e de criar. Façam o exercício de apoiar, oferecer elogios em vez de criticar escolhas, incentivar, ouvir, suportar outras mulheres dos círculos onde se movem e vejam os resultados. Ficarão surpreendidas. 

E é por isso, que para conseguir uma efetiva manutenção do poder, o patriarcado nos quis afastadas e desconfiadas umas das outras.

A maternidade é maravilhosa e cheia de cor

Uma mãe tudo consegue

Só se forem as cores que vejo no meu teto, quando passo horas sem conseguir dormir, porque a minha filha me acordou para dizer que tem o pé fora do edredom. Sim, uma mãe consegue muitas coisas, mas a custo de quê? De privação de sono, exaustão, carga mental feminina excessiva, que na grande maioria das vezes poderá degenerar em depressões ou crises nervosas ou simplesmente uma enorme frustração de não se ser a mãe que nos impuseram. Uma mãe é uma pessoa. Igual a todas as outras, com o bónus extra de um beijo quente ao fim do dia. Sempre nos convenceram que esse beijo apaga todas as dificuldades, todas as frustrações, todo o cansaço. E se não te sentires assim, então é porque não amas os teus filhos.

Este peso. Carrego-o todos os dias. Não sou a mãe que me fizeram crer que devia ser, extremosa, calma, paciente, forte, corajosa. Estou longe de o ser e, por todas as mentiras que o patriarcado me fez acreditar em relação à maternidade, sofri durante muito, muito tempo. A maternidade não é sempre uma coisa bonita. A maternidade não é sempre uma coisa fácil. A maternidade tem dias horríveis. A maternidade fez-me parecer dez anos mais velha. A maternidade tem dias frustrantes. A maternidade não me deixa dormir há cinco anos. A maternidade fez-me esquecer quem eu era durante muito tempo. A maternidade piorou a minha depressão crónica. 

Se soubesse o que sei hoje sobre todas as mentiras que o patriarcado me fez acreditar sobre maternidade, teria escolhido ser mãe? Sim, teria, mas estaria sem dúvida mais bem preparada para este desafio e teria escolhido com maior consciência. Talvez assim, estivesse preparada para o rasgão que me fizeram quando a minha filha nasceu. E não foi só um rasgão físico.

As mulheres podem ser quem elas quiserem

O feminismo já não faz sentido

Estas novas mentiras que o patriarcado semeou, mais recentemente, tornaram-se ladainhas de papagaios e sussurros entre dentes. Desengane-se quem acredita que hoje, uma mulher já pode ser quem quiser. Não pode. E não pode, porque continuamos a julgar as mulheres pela sua aparência, continuamos a acreditar em normativas bacocas, que fazem com que seja difícil, cada mulher ser quem verdadeiramente é. Uma mulher continua a não poder escolher como se veste e continua a ser culpada de assédio ou violação pelo que veste(— Pois, então, com um decote desses?! Estava-se mesmo a ver para o que ia.), continua a não poder pintar o cabelo de violeta, vestir um vestido colorido, ter o cabelo comprido aos 70 anos (— Realmente não soube envelhecer bem, esta!), a ter que fazer depilação (— Ai, eu cá não tenho nada contra, mas acho falta de higiene.), continuamos a não respeitar as opções das outras pessoas, continuamos a afirmar que as raparigas têm mais jeito para as humanidades do que para as ciências, que uma mulher sem filhos ou é frustrada ou se vai arrepender, que uma mulher é uma galdéria se tem vários parceiros sexuais ao mesmo tempo. Ficaríamos aqui eternamente a enumerar casos que provam que esta é uma grande mentira patriarcal e que pretende afastar as pessoas do feminismo, dando a percepção errada que já tudo se ultrapassou e que já alcançamos a igualdade.

Morra o patriarcado. Morra. Pim!

Pic: lrasonja

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